lado, há um grande investimento na montagem, o que os leva à
constituição de uma reserva de imagens de arquivo, imagens que
vão migrar de um filme a outro, entre Sochaux e Besançon.
A palavra operária é agora proferida com segurança, graças
a dispositivos de automise en scène e de direção compartilhada.
Os entrevistados são também aqueles que decidem sobre a
estética de filmagem e de montagem de sua própria fala. Dado
o conhecimento profundo que eles têm dos problemas da classe
operária, além de uma grande intimidade com as pessoas filmadas,
os Medvedkine trazem à tona aspectos desconhecidos de uma vida
dura, sofrida e injusta. Devido a turnos de 9 horas na linha de
montagem, sem poder conversar, alguns operários começavam a
perder a fala. A qualidade da escuta que os Medvedkine põem em
prática em seus filmes vai ajudar seus camaradas a recuperarem
a palavra e a afirmarem um novo discurso sobre sua condição
social e seus desejos. Da mesma forma que os operários franceses
do século XIX em seus jornais independentes e panfletos, os
Medvedkine também fazem do poder da palavra “a expressão
de um pensamento e não a manifestação espontânea de um
sofrimento e de uma cólera” (RANCIÈRE e FAURE, 2007: 341).
Em cada filme, as entrevistas reiteram o esforço dos operários
em pôr em circulação uma nova análise, uma nova visão das
condições de vida na usina e fora dela.
Os depoimentos filmados pelos Medvedkine mostram que
a vida do operário se resumia, então, à escolha entre dois tipos
de morte: uma rápida, no confronto, e a outra devagar, no dia
a dia da usina. Num dia perde-se o tato, depois um dedo, uma
mão; num outro dia perde-se um pé, no outro adquire-se uma
úlcera, depois um câncer; não há regularidade na troca de
turnos, os casais trabalham em horários diferentes e, como não
se encontram mais, acabam separando-se e os filhos crescem
com os avós. O cinema não vai mudar tudo isso, é claro, mas
pela primeira vez ele acena com a possibilidade de revelação
de uma “história política recalcada” (BRENEZ, 2006: 42-44).
Descobre-se que a mise en scène é uma arma. O compartilhamento
da palavra que os Medvedkine colocaram em prática naquele
momento, misturando, às vezes, real e ficção, fez muito mais do
que simplesmente antecipar novas abordagens da entrevista no
cinema. É todo um capítulo cuidadosamente silenciado da luta de
classes que irrompe com esses filmes, inquietando as elites.4