" O Capital é, não é, ou deixa de ser, filosofia ? E no entanto, os rótulos que se colam na mercadoria não são nem inocentes, nem despicientes. Como Marx observa no Livro Segundo, e cito : “a etiqueta de um sistema diferencia-se da de outros artigos, entre outras coisas, pelo facto de ela intrujar não só o comprador mas frequentemente também o vendedor.” Cuidado portanto com as operações de rotulagens que nos podem saltar ao caminho vindas de proveniências diversas. De uma banda, acham uns enfaticamente que O Capital, porque obra prima e derradeira, é em suma a filosofia de Marx. De outra banda, outros acham que por falta de predicados e por excesso de materialismo Marx não é, de todo, filósofo. Nas bandas mais estreitas, há para todos os gostos e paladares, um pouco como na antiga botica. Desde que os que alvitram que O Capital é filosofia, porque NÃO É economia, como deus manda e a cartilha preceitua, até aos que apregoam que O Capital NÃO É filosofia, porque a golpe de tesoura e de esquecimentos vários é uma ciência nova e inaudita que inauguraria todo um continente por descobrir. Para uns, a filosofia é feita entrar quando se quer desmerecer o teor material e dialecticamente fundado dos saberes que se cultivam e investigam. Para outros, a filosofia é sem cerimónia despachada, para um acantonamento dúbio nas diminuídas paragens da ideologia e da dialéctica quando se pretende fazer sobressair um necessário fundamento materialista agasalhado nas devidas aspas, para a pesquisa. (...) A interrogação de se O Capital é filosofia ou não é filosofia, só pode lograr algum respondimento substantivo de dentro de um exercício do pensar filosofante. Para lhe responder há que filosofar. (...) Não é DA filosofia que O Capital fala. Não é DESDE a filosofia que em O Capital se fala. Não é A filosofia que em O Capital se fala. O termo da indagação é outro. O teor depoistado no escrito é outro. a filosofia em O Capital não fala para se explicitar. Pensem em tudo aquilo que na obra nos é dito e mostrado. (...) Como Marx aponta numa carta a Engels de 1968, e cito : “só pondo em lugar dos dogmas em conflitos, os factos em conflito, e as oposições reais que fornecem o seu oculto plano recuado, se pode tranformar a economia política numa ciência positiva.” Em afirmações principiais desta indole há quem se apresse a ler, um peremptório interdito lançado sobre a filosofia em geral. Perla minha parte, penso que aquilo que se está é a combater determinados modos disponíveis na envolvência de entender e de exercitar a filosofia. A crítica marxista da filosofia não se prende primariamente com a circunstância de ela lidar com pensamentos. No seu cerne a questão é outra. Tem a ver com o papel que aos pensamentos é atribuído, e com o fundamento material que lhes determina o teor e lhes induz funções de mistificação. Daí que sejam criticadas todas aquelas doutrinas - filosóficas e não só - que arvoram conceitos em princípios determinantes, que consideram o mundo como dominado por ideias, que fazem do viver real dos seres humanos um produto do mundo ideial. Este é o contexto onde se torna patente a identificação da ideologia no seu sentido restrito ou primeiro com o idealismo...."
José Barata Moura , Maio 2012 A filosofia no/do Capital
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domingo, 4 de novembro de 2012