Todos os esforços para estetizar a política convergem para um ponto. Esse ponto é a guerra. A guerra e somente a guerra permite dar um objectivo aos grandes movimentos de massa, preservando as relações de produção existentes. Eis como o fenómeno pode ser formulado do ponto de vista político. Do ponto de vista técnico, a sua formulação é a seguinte: somente a guerra permite mobilizar na sua totalidade os meios técnicos do presente, preservando as actuais relações de produção. É óbvio que a apoteose fascista da guerra não recorre a esse argumento. Mas seria instrutivo lançar os olhos sobre a maneira como ela é formulada. No seu manifesto sobre a guerra colonial da Etiópia, diz Marinetti: «Há vinte e sete anos, nós futuristas contestamos a afirmação de que a guerra é antiestética (...) Por isso, dizemos: (...) a guerra é bela, porque graças às máscaras de gás, aos megafones assustadores, aos lança-chamas e aos tanques, funda a supremacia do homem sobre a máquina subjugada. A guerra é bela, porque inaugura a metalização onírica do corpo humano. A guerra é bela, porque enriquece um prado florido com as orquídeas de fogo das metralhadoras. A guerra é bela, porque conjuga numa sinfonia os tiros de fuzil, os canhoneiros, as pausas entre duas batalhas, os perfumes e os odores de decomposição.
A guerra é bela, porque cria novas arquitecturas, como a dos grandes tanques, dos esquadrões aéreos em formação geométrica, das espirais de fumo pairando sobre as aldeias incendiadas, e muitas outras (...) Poetas e artistas do futurismo (...) lembrai-vos desses princípios de uma estética de guerra, para que eles iluminem a vossa luta por uma nova poesia e uma nova escultura!
Esse manifesto tem o mérito da clareza. A sua maneira de colocar o problema merece ser transposta da literatura para a dialética. Segundo ele, a estética da guerra moderna apresenta-se do seguinte modo: como a utilização natural das forças produtivas é bloqueada pelas relações de propriedade, a intensificação dos recursos técnicos, dos ritmos e das fontes de energia exige uma utilização antinatural. Essa utilização é encontrada na guerra, que prova com as suas devastações que a sociedade não estava suficientemente madura para fazer da técnica o seu órgão, e que a técnica não estava suficientemente avançada para controlar as forças elementares da sociedade. Nos seus traços mais cruéis, a guerra imperialista é determinada pela discrepância entre os poderosos meios de produção e a sua utilização insuficiente no processo produtivo, ou seja, pelo desemprego e pela falta de mercados. Essa guerra é uma revolta da técnica, que cobra em «material humano» o que lhe foi negado pela sociedade.
Walter Benjamin, in 'Magia e Técnica, Arte e Política'
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terça-feira, 28 de abril de 2009