Imagem, Self e nostalgia – o impacto da fotografia no
contexto intimista do século XIXMargarida Medeiros
Universidade Nova de Lisboa
Índice
1 A fotografia e a herança teórica de
Foucault 1
2 Uma vigilância exercida sobre si
mesmo 4
3 Imagem e Self: o contributo de Winnicot
6
4 Referências 12
Resumo
Este artigo visa reflectir sobre o papel da fotografia
como suporte da vida quotidiana e
das grandes mutações nos grandes centros
urbanos a partir de 1800. Partindo das aplicações
da obra de Michel Foucault, ”Vigiar
e Punir”, às questões da aplicação institucional
e política da fotografia, trata seguidamente
de alargar o conceito de disciplina às
instâncias da construção da identidade numa
época em que conceitos como o Self, subjectividade
e intimidade se tornam estruturantes
da consciência individual. Servindo-se
de autores como Richard Sennett e Donald
Winnicot, estabelece pontos de contacto entre
o aparecimento do dispositivo fotográfico
e uma cultura oitocentista centrada na rememoração
e na nostalgia.
1 A fotografia e a herança
teórica de Foucault
A teoria da fotografia tem sido marcada,
nas últimas décadas, pela reflexão em torno
dos mecanismos ideológicos que subjazem
à imagem e das estratégias de poder a eles
associados. Nesta perspectiva incluem-se
quer as reflexões pioneiras de Susan Sontag
(1978) quer as posteriores e importantes
reflexões de Victor Burgin(1982), Alan Sekula(
1989) e John Tagg(1988), e hoje Geoffrey
Batchen, numa reflexão já mais distanciada
(1997; 2001).
Referência incontornável nesta perspectiva
é a obra de Alan Sekula, em particular
o seu artigo “The Body and the Archive”
(1988), que analisa a constituição dos arquivos
criminais na sua relação com as teorias
frenológicas, mas tendo como pano
de fundo a utilização da imagem fotográfica
neste contexto pseudo-científico.
A visão da fotografia dominante neste
contexto essencialmente anglo-americano,
assente na análise da imagem como veículo
de poder e ideologia, é marcada pela influência
de Michel Foucault, nomeadamente da
sua obra “Surveiller et Punir”(1975), e também,
de um modo mais global, pela meto2
Margarida Medeiros
dologia de Michel Foucault expressa em “A
Arqueologia do saber” ou “A ordem do discurso”
1.
O modelo prisional-institucional proposto
no “Panopticom” do utilitarista Jeremy
Bentham (1791) é analisado por Foucault em
“Vigiar e Punir”, e é em volta do estudo desta
arquitectura que o autor faz girar toda a sua
análise da constituição do dispositivo disciplinar
ao longo dos séc. xviii e xix. A influência
desta obra na crítica da fotografia
conduziu à aproximação entre o que Foucault
designou como “dispositivo ou mecanismo
disciplinar” e o que, depois dele, se
vulgarizou como “dispositivo fotográfico”.2
Foucault analisa nessa obra a organização
das instituições e das suas ferramentas:
hospitais, prisões, escolas, que derivam de
um nova ordem e encontram o seu suporte
num novo discurso científico, associado à
importância crescente da observação empírica
e nela fundamentando a implementação
da disciplina.
A fotografia, mesmo que no início apenas
a sua ideia, surge no início do sérvio,
num contexto marcado por um naturalismo
e realismo nas artes, ao mesmo tempo que
o avanço da ciência é acompanhado pelo
surgimento do pensamento positivista. Em
1839, ano do aparecimento da fotografia e
da continuação da publicação progressiva de
“A ciência positiva” de Comte (1832-1840),
1Esta influência está praticamente ausente das
obras que num contexto continental têm vindo a ser
publicadas, mesmo em anos mais recentes Cf. Roland
Barthes (1980), J-M. Schaeffer, (1987), Ph. Dubois
(1992), Frade(1993), F. Brunet (2005), A. Rouillé
(2005).
2Para uma aproximação explícita, sugerida com
diferentes enfoques, cf Watney, S. “The image of the
body”, 1987; Edwards, E. (ed.) Anthropology and
Photography 1860-1920, 1992.
Darwin publica separadamente o diário da
sua viagem no Beagle3. Como muito bem
sintetiza Sam Rodhie, “o visual e o directamente
observado desafiavam as convenções,
confrontavam especulação com ciência natural”,
tendo por isso mesmo um efeito “disruptivo”
face ao saber da época 4.
Talbot, um dos pioneiros da fotografia, é
sobretudo um apaixonado da botânica, da
química, da óptica e da matemática. Nas
inúmeras cartas que deixou, a paixão pela
botânica e pela química ocupam um lugar
maior. As plantas são no início o objecto dominante
dos seus desenhos fotogénicos, não
apenas por serem objectos que facilmente se
prestam a este processo, mas também porque
fazem parte das suas obsessões quotidianas.
Numa carta a Sir John Herschel, quando este
último estava a residir na Cidade do Cabo,
Talbot escreve-lhe sugerindo-lhe colocar um
jardineiro por sua conta para semear espécies
desconhecidas em Inglaterra5. O desenho
fotogénico de espécies botânicas foi
ainda o meio que Talbot utilizou no início
para tornar a (sua) invenção da fotografia conhecida,
enviando-os a diferentes cientistas,
entre 1839 e 1840. De acordo com Graham
3O Journal and Remarks, 1832—1836 de Charles
Darwin constitui o 3o volume da Narrative of the Surveying
Voyages of His Majesty’s Ships Adventure and
Beagle, ed. pelo capitão FitzRoy, 1839, 4 vols.
4Sam Rodhie, “Geography, Photography,
The cinema/ Les Archives de la Planète”, via
http://www.haussite.net/haus.=/SCRIPT/txt2000/01/g
eoall.HTML, p.2.
5“I almost think of troubling you with a request
that through your means I may be enabled to employ
some gardener or labouring man of intelligence
in collecting seeds and roots in different parts of the
Colony which I may afterwards hope to see flourishing
in my greenhouse in Wiltshire”, 9.3.1833, in
http://www.foxtalbot.arts.gla.ac.uk.
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Imagem, Self e nostalgia 3
Smith, o primeiro a ver espécies da nova arte
de Talbot foi o conhecido botânico bolonhês,
Antonio Bertoloni, que por essa altura recebeu
cerca de 36 desenhos fotogénicos. A
ideia era também mostrar a utilidade deste
processo para os botânicos6. O desenho fotogénico
foi também o medium usado por
Anna Atkins, quando em 1843 publica o seu
album de espécies botânicas do litoral britânico,
“British Algae: Cyanotype Impressions”.
Tudo indica que a fotografia irrompe na
cena pública como um precioso auxiliar do
novo espírito científico, num século que será
marcado por invenções como a electricidade,
o gás, o comboio, o telefone e o telégrafo, só
para citar algumas das que mais marcaram
decisivamente a vida nos grandes centros urbanos.
Em 1859, no “Salon” das artes em Paris,
Baudelaire insurge-se mesmo contra a
ideia de uma fotografia “artística”, já que,
segundo o mesmo, a representação fotográfica,
fora de uma “utilização nas ciências e
na técnica” apenas poderá satisfazer o “espírito
obsceno”: “A poesia e o progresso são
dois ambiciosos que se odeiam com um ódio
instintivo, e, quando se encontram no mesmo
caminho, é necessário que um sirva o outro.”
7 Baudelaire vê na fotografia apenas o
seu realismo “observacional”, as suas possibilidades
como extensão da faculdade de
olhar, como duplo “mais objectivo” do que
próprio olhar.
O século xix vê também surgir a ciência
detectivesca – ilustrados na literatura por Edgar
Allan Poe e mais tarde por Conan Doyle
– com a mesma atenção ao detalhe, à evi-
6Cf.Smith 2001
7Baudelaire 1859: 255
dência insuspeita, ao “mistério demasiado
claro”, como escreve Poe em “A carta roubada”.
Em “O homem na multidão”8, Poe descreve
o princípio de vigilância e observação
que decorre da vida na grande cidade. Uma
tarde, convalescente de uma doença prolongada,
senta-se à mesa de um conhecido e
movimentado café, estrategicamente situado
junto a um vidro. Ocupa-se, durante horas, a
observar a multidão que passa:
“Ao princípio as minhas observações tomaram
um rumo vago e genérico. Olhava os
transeuntes em massa, e pensava neles elementos
agregados. Subitamente comecei a
descer ao detalhe, e olhava com interesse minucioso
as inumeráveis variações de figura,
roupa, ar, modo de andar” (Poe 1988: 85). É
neste segunda etapa que um homem com expressão
intrigante o faz decidir-se a segui-lo
pela cidade.
Ao fim de uma noite e um dia inteiro,
em que pela segunda vez o perseguido volta
ao local onde se iniciara a perseguição, o
narrador desiste, completamente esgotado
pela perseguição, compreendendo que não
há nada para seguir e que, de alguma forma,
os termos da perseguição são arbitrários. O
que ressalta desta história é a instauração
deste regime de observação e vigilância perante
o desconhecido. Mesmo quando não
há crime, há suspeitos.
Esta ideia está muito próxima de algumas
das formas com que a fotografia, lentamente
surgida em diversas partes do mundo, foi recebida.
Ela será um dos instrumentos privilegiados
para o exercício de uma “disciplina”
do olhar sobre a experiência quotidiana. A
8“The Man in the Crowd”, Edgar Allan Poe, Selected
Tales, Oxford, Ox Univ. Press, 1988, 84-91
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4 Margarida Medeiros
fotografia serve para demonstrar, classificar,
nomear, fixar, devido a esta natureza “positiva”,
“evidente”. Assume também esse lado
detectivesco face ao minucioso detalhe nas
palavras dos seus inventores. Talbot refere,
num comentário a uma imagem do Queen’s
College de Oxford, inserida em “The Pencil
of Nature”, e a propósito da qual recomenda
o uso de uma lente para observar a imagem:
“Ela aumenta o objecto duas ou três vezes,
e frequentemente revela uma multitude
de detalhes minuciosos que não
tinham sido observados ou que eram
mesmo insuspeitos. Para além disso
acontece frequentemente e isso é dos encantos
da fotografia— que o próprio operador
descobre com esse exame, às vezes
muito tempo depois, que captou muitas
coisas de que não tinha a mínima ideia
nessa altura.” (Talbot 1844, n.p.)
Este paralelismo entre diferentes domínios
do agir humano (científico, institucional,
artístico) recorda-nos uma expressão de
Martin Kemp, numa conferência recente9, a
propósito do renascimento, quando fala de
“intuições estruturais”: estas seriam ideias
partilhadas por diferentes áreas (ciência, política,
arte, filosofia). Se seguirmos Kemp
nesta sugestão conceptual, poderemos pensar
no conceito de inventário como apropriado
para designar a conjuntura científica e
artística da primeira metade do século xix,
em particular o empirismo britânico: inventário
da natureza (a botânica, a zoologia), inventário
social (com Comte, Marx), inventário
criminal (com a frenologia de Gall), nosologia
médica (Charcot e a tipologia histé-
9via http://www.cca.qc.ca/pages/Niveau3.asp?pag
e=mellon_kemp&lang=eng, 12.6.2006, p.1
rica), que se espelham em áreas como a invenção
da fotografia e o naturalismo e realismo
nas artes (Balzac, Courbet).
Este “inventário” do real está também presente
no surgimento dos mecanismos de vigilância
associados à emergência da disciplina.
Lembremo-nos que, para Foucault,
esta é simultaneamente um conceito que visa
a repressão e a ordem mas também a produtividade,
e pode assim ser estendido às tecnologias
da visão que, a partir de 1800, fabricam
a verdadeira aparência das coisas. A
relação entre tecnologia, observação e ideologia
constitui assim um triângulo extremamente
produtivo na reprodução de uma ordem
social que visa o controlo disseminado
dos indivíduos pelo poder.
2 Uma vigilância exercida sobre
si mesmo
Contudo, o papel ideológico e o poder configurados
pela fotografia neste contexto não
podem deixar na sombra a abordagem da relação
do sujeito e da consciência individual
face às imagens, numa época em que o indivíduo
e a sua subjectividade constituem já
objecto de discurso teórico. Neste sentido
vão, até certo ponto, os trabalhos mais recentemente
publicados por Geoffrey Batchen10.
É necessário relembrar que espécie de sujeito
está em causa na primeira metade do
século xix. Desde 1800s que a reflexão em
torno de um “Eu” (“I”, das Ich, le moi), nomeadamente
configurada pelo Romantismo,
denota uma fragilização da identidade, marcada,
em grande parte, pelo avanço cresci-
10Vidé supra.
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Imagem, Self e nostalgia 5
mento das grandes cidades, como Paris e
Londres11.
A obra de Richard Sennett “The fall of the
public man” (1978) é extremamente elucidativa
para o entendimento da fotografia para
além da moldura naturalista e das políticas
de vigilância social, nomeadamente no que
diz respeito ao seu impacto a nível individual
e familiar. Sigamos por alguns momentos o
que nos diz Sennett.
Para este autor, o crescimento das cidades
na viragem para o séc.xix vem introduzir significativas
modificações na vida pública. A
ideia de homem público, e que corresponde
em traços gerais ao homem do Antigo Regime,
implica a contenção dos limites identitários
por intermédio de uma série de convenções
“teatrais” que colocam em continuidade
a rua e o teatro. A ideia de “apresentação
da emoção” é particularmente importante:
aquele que apresenta mantém uma relação
de exterioridade (não dramática) com a
emoção; esta é algo da ordem do “público”,
da convenção colectiva e não do foro privado,
da intimidade do sujeito. No século
XVIII a aparência do indivíduo é um signo
e não um símbolo12, e não representa nada
para além de uma máscara.
No século xix passamos, pouco a pouco,
para uma ideia de aparência como sinal, ou
seja: a aparência é “expressiva”. A aparência
torna-se um processo individual, instalando
11Cf. Fritz Breithaupt, “Trauma in German Romanticism”,
in Critical Inquiry, 32, Autumn 2005,
p.80; Ulrich Baer, Spectral Evidence/Photography
and Trauma, Lond/MA, The Mit Press, 2004; Doris
Kaufmann, Dreams and self-consciousness” in Lorraine
Daston, Biog. Of Scientific Objects, Harvard,
2003
12Sennett toma aqui estes conceitos a partir da classificação
dos signos que faz Peirce: símbolo, índice e
ícone.
o “receio” da opinião pública” e da vergonha.
Neste novo Eu “privado”, que vem
substituir-se ao do “homem público”, a ideia
de “segredo” torna-se muito importante na
comunicação: é necessário não mostrar involuntariamente
o que se sente, pelo que a
fuga e a intimidade compulsiva estão indissociavelmente
ligadas: “a simples expressão
de uma emoção torna-se cada vez mais importante
à medida que é necessário muito esforço
para penetrar nas defesas dos outros e
obrigá-los a comunicar (Sennett 1978: 122).
A modificação do sujeito na direcção da
personalidade, conduz Sennett a destacar 3
ideias: a personalidade opõe-se à convenção
social; a espontaneidade e a revelação involuntária
do carácter são um só; os psicólogos
do século xix acreditam que as pessoas involuntariamente
expressivas são doentes.
No século XIX o vestuário tende a
tornar-se inexpressivo ou muitíssimo controlado.
Esta ideia é confirmada, por exemplo,
em Balzac, que fala de uma gastronomia
do olho. Em “L’envers de l’histoire
contemporaine”(1806-36) Balzac ocupa-se
detalhadamente de um personagem, no conto
“Madame de la Chanterie”, descrevendo a
relação entre a sua vida devassa e as roupas
que usava e assinalando explicitamente a necessidade
de transformação da sua aparência
no momento em que decide mudar de vida.
Quando o herói pretende alugar um quarto
monástico em casa de Mme de la Chanterie,
uma “ex-nobre” que vive em reclusão
com alguns hóspedes em “espírito cristão”, a
mesma olha-o de alto a baixo e observa que o
quarto que tem disponível não lhe deve agradar.
. . Quando o personagem se mostra inclinado
a participar da vida “cristã” do grupo
de residentes, é plenamente aceite quando
passa por uma prova de fogo na abnegação
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6 Margarida Medeiros
total dos interesses pessoais e fica provado
aos olhos da sua senhoria e amigos que ele é
capaz de uma sincera abnegação.
É esta ideia de sinceridade que é nova.
Cada máscara é um rosto (um “símbolo”),
pelo que cada indivíduo é prisioneiro da
sua aparência de momento, tornando-se impossível
o carácter estável e independente.
Quando se lê a personalidade através da aparência
exterior, “as realidades das classes e
do sexo tornam-se fonte de ansiedade”, pelo
que, “estreitamente ligado ao código da personalidade
imanente nas aparências em público,
há o desejo de controlar as aparências
por um crescimento da consciência de
si” (Sennett 1978:168).
Passividade do sujeito ( que se esconde no
seu “segredo”), voyeurismo como feiticismo
do olhar e angústia social surgem assim indissociavelmente
ligados.
Ao longo do sérvio, e paralelamente ao
desenvolvimento de uma vigilância externa
e objectiva no seio do social, nomeadamente
baseada em registos fotográficos, uma
outra vigilância interna, pessoal e íntima,
toma igualmente lugar, construindo uma
nova relação entre o sujeito e a sua autoconsciência.
A invenção de uma técnica
de produção de imagens realistas constitui
neste último contexto uma resposta extremamente
importante.
Mas o aspecto mais interessante para a
análise do impacto da fotografia no quotidiano
é a ideia introduzida nesta obra de que
no século xix se percepciona a conduta como
vindo sempre antes da consciência, surgindo
esta como reexame do passado. A ideia de
autobiografia, estilo muito praticado à época,
tem justamente essa dimensão de “verdade
obtida retrospectivamente”, que se coaduna
com uma visão do presente como fugidio,
fugaz: “dantes estava-se realmente vivo; se
pudermos dar um sentido ao passado, o
presente fica menos confuso”(Sennett 1978:
139-140). Daí que, ainda segundo o autor,
a terapia psicanalítica, assente na ideia de
anamnese, nasça deste sentimento vitoriano
de nostalgia.
A fotografia é pois contemporânea deste
movimento nostálgico do homem em direcção
ao passado—rememoração de vivências
e encontros, de acontecimentos pessoais,
de auto-afirmação narcísica. Jean-François
Chévrier refere as passagens em que, em “À
procura do tempo perdido”, Proust descreve
a importância do olhar (de passagem, no passeio
público, à distância, na igreja) para a
construção psicológica da sua narrativa.
3 Imagem e Self: o contributo de
Winnicot
A organização do Eu nostálgico relacionase
com a fotografia de forma muito evidente.
No prefácio que escreveu para a publicação
de “The Pencil of Nature” (1844),
Talbot descreve a origem da sua invenção,
situando-a, justamente, na necessidade de
fixar a experiência subjectiva da visão, de
agarrar em imagens o resultado da contemplação
do mundo à sua volta e revelando
como a contemplação da paisagem institui,
a partir de agora, que esta se transforme em
imagem:
“E isto conduziu-me a reflectir na beleza
inimitável das imagens pintadas pela natureza
que a lente da Camera Obscura
atira para cima do papel — maravilhosas
imagens, criações momentâneas e destinadas
rapidamente a desaparecer. Foi no
meio destes pensamento que me ocorreu
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Imagem, Self e nostalgia 7
a ideia. . . quão maravilhoso seria se fosse
possível fazer com que estas imagens naturais
se imprimissem a si mesmas de
forma permanente, e fossem fixadas no
papel!
E porque não seria possível? Perguntei a
mim próprio.” (Talbot 1844, n.p.)
Um outro exemplo paradigmático desta
relação entre fotografia e nostalgia que estrutura
o novo Self é o interesse de Talbot
simultaneamente pela invenção da fotografia
e pela arqueologia, nomeadamente pela decifração
da escrita cuneiforme e hieroglífica.
Como seria de esperar, foi esta uma das linhas
de aplicação da nova técnica, do qual
temos hoje magníficos calotipos de fragmentos
dessas escritas feitos quer por Talbot
quer, a seu pedido, por Roger Fenton, já no
início dos anos cinquenta. Como salienta
Sennett e já Walter Benjamin reflectira largamente
nos seus escritos, o homem desta
cidade secular liga-se às imagens como baluartes
da sua identidade. Um simples calotipo
de um fragmento de escrita cuneiforme
não é apenas um documento fotográfico; é o
suporte de uma experiência interior também
ela essencialmente fragmentada e atomizada.
As imagens arqueológicas são duplamente
nostálgicas: de uma unidade perdida do sujeito
e de um tempo que existe como fetiche.
Exemplos desta relação observam-se na
expansão do daguerreótipo, sobretudo nos
Estados Unidos, onde os estúdios se multiplicaram
nos anos cinquenta do séc.xix, intensificando
a produção do retrato. Em 1850
eram já cerca de 10.000 os daguerreotipistas
americanos. Como se deduz de uma nota
histórica publicada em 1896 no McClure’s
Magazine, o daguerreótipo tornou-se um objecto
indispensável nas relações entre as pessoas,
enquanto objecto que introduz uma reparação
na distância quer no espaço quer no
tempo, sendo usado como elemento de continuidade
em situações de prolongada separação
ou no caso da morte de familiares e
amigos. No caso concreto referem-se à separação
de familiares por ocasião da partida
para as minas de ouro:
“A descoberta do ouro na Califórnia foi
de grande impacto para o daguerreótipo,
porque todo o potencial mineiro que embarcava
para as minas tirava vários retratos
com a família e amigos.”13
Mas este incremento do retrato tinha, obviamente
enormes possibilidades performativas,
porque o jornalista continua:
“E quer ele fosse para atravessar o Istmo
quer à volta de Horn, ele era fotografado
com a sua ferramenta completa: frigideira,
faca, garfo, chávena, picareta, pá
e os invariáveis dois revólveres no cinto.”
Os retratos eram feitos de ambas as ambas
as partes, levando o mineiro também fotografias
da sua família, que “eram muitas vezes
a sua única companhia na solitária cabine
da montanha, da qual partia para o outro da
Califórnia”14
A fotografia instala-se, desde o início,
como “fetiche”, imbuída de propriedades
que transcendem largamente a sua eventual
materialidade e que contribuem, de certa
forma, para que esta nunca possa ser-lhe
efectivamente fixada.
13In McClure’s Magazine, Vol. 8, No. 1 (November
1896.), cit. in http://www.daguerre.org/resource/
texts/davis/davis.html
14Ibid.
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8 Margarida Medeiros
O que parece ser um aspecto central é o
facto de a fotografia surgir aqui como elemento
estruturante que permite ao sujeito
controlar o sentimento de perda decorrente
do novo regime do “privado”. O controlo
estabelecido pela visualidade é deste modo
exercido de modo polimórfico: se de um
lado, o positivismo se alia ao naturalismo da
representação, permitindo todos os usos possíveis
da fotografia enquanto “observatório”
(do indivíduo, da “sociedade”) como vimos
atrás, por outro a prática do retrato e da fotografia
“privada” (de família, de viagem) vem
ao encontro deste novo sujeito surgido do romantismo,
e que é marcado pela inconsistência
e pela fragilidade, pelo aparecimento da
categoria de “Ich” ou de “Self” e pela necessidade
deste em delimitar o “real”.
Mas isto só é possível devido também ao
naturalismo contido na imagem fotográfica.
No seu diário, Philip Hone escreve:
“Qualquer objecto, por mais pequeno que
seja, é uma perfeição transcrição da própria
coisa; o cabelo de uma cabeça humana,
a areia no bordo da estrada, a textura
de um cortinado de seda, ou a sombra
de um folha na parede, todas são impressas
tão cuidadosamente tal como a
natureza ou a arte as transferiram para as
imagens; e aquelas coisas invisíveis para
o olho nu tornam-se visíveis com a ajuda
de uma lente”.15
Numa resenha histórica da invenção do
daguerreótipo, no Mac’Clure Magazine de
15In The Diary of Philip Hone, 1828-1851.
Ed. by Bayard Tuckerman (New York: Dodd,
Mead and Company, 1889) pp. 391-392. via
http://www.daguerre.org/resource/texts/hone.html
Novembro de 1896, Mr Davis cita, do Knickerbocker/
Washington Irving’s Magazine de
1839:
“A sua minuciosa perfeição quase ultrapassa
os limites de credulidade. Imaginemos
alguém no meio da Broadway,
com um espelho pendurado perpendicularmente
na mão, no qual a rua se
reflecte, com tudo o que lá está, até
uma distância de dois ou 3 quilómetros.
Façamo-lo regressar a casa com o espelho,
e encontrar a impressão de todo o
observado, no mais fino contraste de luz e
sombra, vividamente retido na superfície.
Trata-se do daguerreótipo. As vistas são
dos pontos mais interessantes da capital
francesa. Quem prescindiria dos seus negócios,
ou do seu jantar, para ir numa viagem
a Paris ou Londres, se pode sentarse
no seu apartamento em nova Iorque e
olhar as ruas, as maravilhas arquitectónicas
e o bulício das populosas capitais?”16
A popularização do retrato com o daguerreótipo
e o calotipo e mais tarde com
as chapas de vidro emerge neste cenário
nostálgico, respondendo a uma necessidade
de negar o sentimento de perda de realidade.
A ontologia analógica da fotografia
transforma-a num instrumento que pode permitir
o luto pela ausência (pelo uso da imagem
como substituto do objecto), numa espécie
de terapia nostálgica. Na verdade, a
vida na grande cidade instaura a fragmentação
do quotidiano, introduzindo a fugacidade
das impressões como um tema recorrente.
E esta é certamente uma das razões do
sucesso da fotografia: aquilo que não se pode
16Via http://www.daguerre.org/resource/texts/davis/
davis.html
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Imagem, Self e nostalgia 9
ver ao vivo, porque passa muito depressa ou
é visto à distância, pode examinar-se numa
imagem.
Donald Winnicot (Winnicot 1971), psicanalista
inglês, introduziu um conceito que se
pode revelar interessante na abordagem da
nostalgia e da relação que este sentimento
mantém com a fotografia: trata-se do conceito
de objecto transicional, objecto que
manipulado na primeira infância (um urso,
uma fralda, um lençol), e que é investido de
fantasias e afectos relativos ao objecto ausente17.
Para Winnicot, o objecto transicional,
como instrumento que facilita a reprodução
de uma ausência através de um substituto,
constitui um intermediário entre o que é subjectivo
e aquilo que é objectivamente percebido.
E é neste âmbito, de repetição alucinatória,
ilusória, que o objecto transicional
permite elaborar a ausência — que Freud já
associara ao “fort-da”, jogo infantil de atirar
para longe e trazer para perto, alternadamente,
um objecto.
Assim “a nostalgia refere-se à relação precária
entre o sujeito e a representação íntima
do objecto perdido”(Winnicot 1971: 23).
Isto é, o sentimento nostálgico consiste na
fixação a uma perda, da qual o sujeito não se
recompõe e a qual condiciona a sua relação
com mundo externo e com os outros.
Assim parece ter acontecido com a recepção
da fotografia: esta parece ter vindo
ao encontro de um sentimento nostálgico
que domina a vida na cidade no século xix,
instituindo-se como um objecto paradoxal,
que simultaneamente funciona como intermediário
do sujeito com uma realidade cada
vez mais fugidia, marcada pela imanência e
17Winnicot 1971: 23
pelo consumo, e, ao mesmo tempo, como
objecto que alimenta a ideia, de que falava
Sennett, de verdade “obtida retrospectivamente”.
As imagens são objectos transicionais.
Winnicot deixa bem claro que o objecto
transicional “ não é um objecto interno
(o que significa um conceito mental), mas
algo que se possui ” (Winnicot 1971:9)18
Num outro estudo, Winnicot chama a
atenção para algo que relembra o que Sennett
refere como característica do homem da
cidade do século xix: a falência do Eu. Para
Winnicot, o sentimento individual de segurança
de si provém da possibilidade de a criança
se poder espelhar no rosto ou rostos que
a cercam desde o nascimento—e mais tarde,
na imagem de si mesma no espelho19.
A impossibilidade desse acto inviabiliza a
amadurecimento do Self, nomeadamente a
formação de um sentimento de “realidade”:
“Sentir-se real é mais do que existir; é encontrar
um caminho para existir como um eu autónomo,
e possuir um Eu no qual confiar”20.
Esta conceptualização de Winnicot relativamente
ao psiquismo individual poderá ser
transposta para aquilo que Sennett designa
como a falência do Self face ao crescimento
das grandes cidades. A cidade passa a ser,
por via da entrada progressiva de numerosos
indivíduos “inclassificáveis”, o lugar do
stranger, marcado por uma nova classe informe,
que produz incerteza e insegurança na
relação do indivíduo com o espaço público.
18Winnicot deixa bem claro que o objecto transicional
“ não é objecto interno (que significa um
conceito mental), mas algo que se possui” (Winnicot
1971:9)
19No que subscreve Jacques Lacan: cf. “Le stade
du mirroir comme formation du Je”, Paris, Seuil,
1949.
20Winnicot 1971: 117
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10 Margarida Medeiros
No texto de Poe atrás referido, “O homem
na multidão”, o escritor parte da descrição
de um tal cenário de anonimato no qual o estranho
se mistura, e que constitui, por si só,
motivo de contemplação absorta:
“E, à medida que chegavam as sombras
da segunda noite, comecei a sentir-me esgotado,
e, parando mesmo em frente do
vagabundo, olhei-o demoradamente no
rosto. Ele não reparou, mas terminou
o seu passeio solene, enquanto eu, deixando
de perseguir, permaneci absorto
em contemplação. ‘Este velho homem,
pensei eu, é o tipo e a essência do verdadeiro
crime’. Ele recusa-se a estar sozinho.
É o homem da multidão.” (Poe
1988: 91)
George Simmel, filósofo alemão da viragem
para o século xx, escreveria mais
tarde um pequeno texto intitulado “O estrangeiro”
(traduzido para inglês como “The
Stranger”), no qual reflecte sobre esta categoria
de um ponto de vista sociológico e filosófico:
“Se o migrar é o desprender-se relativamente
a todo o ponto dado no espaço e,
portanto, se opõe conceptualmente à fixação
em tal ponto, a forma sociológica
do estrangeiro apresenta a unidade destas
duas características. Todavia, este fenómeno
mostra também que as relações
espaciais são, por um lado, apenas a condição
e, por outro, o símbolo das relações
humanas. Assim, o estrangeiro é
aqui discutido não no sentido (. . . ) do viajante
que chega um dia e volta a partir
no dia seguinte, mas antes como a pessoa
que chega hoje e que permanecerá amanhã;
ele é, por assim dizer, o viajante potencial:
ainda que não tenha seguido o
seu caminho, não abandonou completamente
a liberdade de ir e vir.” (Simmel
2004:133)
A fotografia, em particular o retrato, mas
também o documentalismo social e etnográfico
que emerge a partir de 1870, vem exercer
uma certa função de “espelho”, já dificilmente
exercida pelo espaço público. Se
para Winnicot, o essencial desta imagem é
o seu carácter de resposta, ou seja, o facto
de consistir num devolução do olhar do outro
no qual o mesmo se espelha, a fotografia
pode também ser considerada como uma
forma de conseguir essa devolução: quem vê
uma imagem (de si, do outro, do mundo à sua
volta) vê também um olhar sobre (si mesmo,
o outro, o mundo à sua volta).
A “produção do visível” (Rouillé 2005)
pelo inventário do real exercido pela fotografia
teria assim mais um sentido: a de situar o
sujeito num “espelho” originário, num contexto
pré-verbal. Em lugar de reafirmarmos
o lugar-comum modernista de que “a imagem
vale mais do que mil palavras” deveríamos
antes dizer que as imagens estão antes
das mil palavras. . .É esta a razão mais provável
do facto de os textos que acompanham
as imagens do século xix serem, regra geral,
lacónicos e extremamente técnicos: referem
as condições em que as fotografias são feitas,
chamam a atenção para certos detalhes que
evidenciam a superioridade da imagem face
à observação empírica ou associam uma espécie
de ficha museográfica, na qual se descrevem
certas características físicas do objecto
representado.
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Imagem, Self e nostalgia 11
A imagem está sempre antes da linguagem
e possui assim uma espécie de autonomia
matricial.
Mas voltemos ainda a Winnicot. Este refere
3 funções para o meio envolvente da criança
precoce: 1) sustentar; 2) segurar; 3)
apresentar os objectos externos:
“Um bebé está seguro (holding), e satisfatoriamente
agarrado (handling), e tendo
isto garantido pode confrontar-se com
um objecto sem que a sua experiência
legítima de omnipotência seja destruída.
O resultado pode ser a criança tornar-se
apta a usar o objecto, e a sentir que esse
objecto é um objecto subjectivo, criado
por ele” (Winnicot 1971: 112)
Esta teorização de Winnicot é também
bastante sugestiva relativamente aos usos de
que a imagem fotográfica é investida no contexto
urbano oitocentista. A fotografia surge
lado a lado das grandes novidades industriais,
quer como um dos seus produtos, quer
como um dos suportes da sua assimilação.
Georges Simmel, em “A Metrópole e a vida
mental”, o primeiro capítulo da sua obra
“The philosophy of money”(1903), salientava
já a velocidade dos estímulos existente
nas grandes metrópoles como um condicionador
de uma nova forma de pensar e reagir,
de uma nova psicologia:
“A base psicológica do género de individualidade
metropolitana consiste na intensificação
da estimulação do sistema
nervoso que resulta do movimento e mudança
ininterrupta dos estímulos externos
e internos. O homem é um ser diferenciador.
A sua mente é estimulada pela diferença
entre uma impressão momentânea
e a que a precedeu. Impressões que ficam,
que diferem apenas levemente umas
das outras, tomam o seu curso habitual
e mostram contrastes regulares e habituais
— todos estes menos conscientes do
que a rapidez crescente do fluxo das imagens,
a descontinuidade do simples olhar
de relance, a impredictibilidade das impressões
velozes. Estas são as condições
psicológicas que a metrópole cria.” (Simmel
1903:3)
Esta nova psicologia implica pois a necessidade
constante de resposta intelectual (para
Simmel um novo “órgão”) e provoca a fragmentação
da experiência. Daí que Simmel
comece o seu texto por afirmar que o principal
problema da “vida moderna” deriva da
tentativa do homem para manter a independência
e a individualidade da existência contra
os poderes soberanos da sociedade, contra
o peso da herança histórica e a cultura e
técnica” (Simmel:1903: 1). Neste sentido, e
regressando aWinnicot, significa dizer que o
homem da grande cidade perdeu o sentido da
segurança (holding e handling) que lhe permitia
fazer face aos objectos, porque agora
ele tem de lidar com um mundo em permanente
mudança, gerando um sentimento de
impotência e uma crescente perda do sentimento
interior de realidade.
Em resposta a esta vida efémera da grande
cidade, a fotografia vem oferecer a estabilidade
de um representação do real fidedigna,
que se pode segurar na mão ou sobre a qual
se pode repousar o olhar, para que, em seguida.
E é justamente nesta estabilidade fornecida
pelo olhar da mãe sobre a criança que
Winnicot radica a origem do sentimento criativo.
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12 Margarida Medeiros
A fotografia permite o holding e o handling,
apesar do facto de que qualquer imagem
se apresenta, a longo prazo, também
como um espelho da morte e estar destinada
a tornar-se um objecto melancólico.
Um sentimento regressivo de contemplação
constitui-se, com a fotografia, como resposta
a uma vida progressivamente centrada na
imanência. A imagem fotográfica oferece,
finalmente, as características em que o homem
da grande metrópole confia: é um objecto
técnico, produto da ciência e da racionalidade,
possuindo portanto a fiabilidade
que já não mais se encontra no rápido fluir
das aparências. Como salientava Talbot, ao
rememorar o processo que o levou à descoberta
da fotografia:
“A imagem, despida das ideias que a
acompanham, e considerada somente na
sua última essência, não é senão uma sucessão
ou variedade de luzes fortes lançadas
sobre um dos lados do papel, e uma
sucessão de profundas sombras no lado
contrário” (Talbot 1844: n.p.).
Talbot tenta aqui agarrar-se a uma ideia
positiva da fotografia, mostrando como esta
não constitui mistério nenhum. Mas, na verdade,
esta realidade objectiva da imagem fotográfica
foi, como vimos, e ao longo de toda
a sua história, sistematicamente ultrapassada
pelas mais subjectivas apropriações.
Para entender o sucesso da fotografia no
contexto oitocentista, povoado de flanêurs e
strangers, é necessário não ficarmos presos à
herança teórica de Foucault consubstanciada
em Vigiar e Punir, que tem funcionado como
horizonte teórico de uma parte muito importante
da crítica e história da fotografia, que
deste modo se centra, quase exclusivamente,
nas questões do poder e ideologia veiculados
no desenvolvimento da fotografia. A recepção
desta surge, como vimos, como uma
vasta formação discursiva, um campo atravessado
por diferentes forças e interesses,
dos quais um dos menos importantes não é
certamente a constituição do sentimento nostálgico
no século xix — ele mesmo, é claro,
uma ideologia.
A imagem fotográfica trabalha de facto
lado a lado da disciplina: se esta constitui
um movimento pulsional mortífero na sua
essência, já que trata de imobilizar o indivíduo
e produzi-lo dentro de uma normalidade,
aquela constitui um instrumento de apoio à
vigilância necessária a essa normalização; se
a disciplina constitui um dispositivo disseminado,
que pode ser estendido também ao esforço
para controlar a desordem interna do
sujeito pelo controlo das aparências, a fotografia
coadjuva-a aí também, já que é possível
investi-la de um poder de verdade que
se constitui como suporte desse mesmo controlo.
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sexta-feira, 27 de março de 2009