Entrevistador: Primeiramente gostaria de perguntar sobre o título do livro. De que mal você está falando?
Bataille: Existem dois tipos opostos de mal. O primeiro está relacionado com o sucesso das atividades humanas, ou seja, na conquista dos resultados esperados. E o outro tipo consiste na deliberada violação de alguns tabus como, por exemplo, o tabu contra o assassinato ou sexualidade.
Entrevistador: Quando se faz o mal e no ato de maldade.
Bataille: Sim.
Entrevistador: Poderia o título do livro indicar que o mal e a literatura são inseparáveis?
Bataille: Eu creio que sim. Talvez no início não seja tão evidente, mas para mim, se a literatura se afastar do mal, ela se tornará entendiante. Ela, a literatura, tem que ser surpreendente. No entanto, assim que fique claro, que a literatura deve lidar com a angústia e que a angústia é baseada em alguma coisa que está em confronto, sem dúvida trará malefícios de uma forma muito cruel. E quando o leitor percebe isso, diante da possibilidade de um final trágico para os personagens que ele acompanhou (agora estou resumindo o livro), essa desagradável situação resulta em tensão, o que torna a literatura instigante.
Entrevistador: Então os escritores são culpados de alguma coisa quando escrevem?
Bataille: A maioria deles não tem consciência disso. Mas eu acredito que existe um profundo sentimento de culpa. Escrever é o oposto de trabalhar. Isso pode não parecer lógico, mas mesmo assim, todos os livros interessantes são esforços que caminharam contra a noção formal de trabalho.
Entrevistador: Você poderia falar sobre um ou dois escritores que sentiram culpa pelo ato de escrever?
Bataille: Existem dois que utilizei em meu livro que são bons exemplos. Eles são Baudelaire e Kafka. Ambos sabiam que estavam do lado do mal. E, consequentemente, eles eram culpados. Com Baudelaire isso fica claro pela escolha do título do seu livro "A flor do mal" que representa os seus escritos mais íntimos. Com Kafka, é ainda mais evidente. Ele pensava que quando escrevia estava agindo contra os desejos de sua família e, portanto, ele se colocou numa posição de culpado. É fato que a sua família disse de todas as formas que era errado passar a vida escrevendo, que a coisa certa a se fazer era dedicar seus esforços em atividades comerciais e, se ele fizesse qualquer coisa diferente, estaria do lado do mal.
Entrevistador: Portanto, se ser um escritor é ser culpado de alguma coisa, então, para Kafka ou Baudelaire, ser escritor também significa não ser responsável.
Bataille: Essa era a opiniçao de suas famílias.
Entrevistador: Esse sentimento de culpa poderia ser algo infantil para eles. Você acha que Baudelaire e Kafka se sentiram infantis quando escreviam?
Bataille: Sim, eles diziam que se sentiam nessa condição de infantilidade. Como se estivessem perante seus pais. Crianças que acabaram de cometer travessura e que consequentemente adquiriram consciência de culpa pela opressão de seus adorados pais que a todo momento diziam o que não poderia ser feito, o que era considerado atos maldosos em si, no sentido mais forte da palavra.
Entrevistador: Mas se a literatura é criancisse, se escritores são culpados de criancisses quando escrevem, então isso também significa que a literatura é imaturidade?
Bataille: Eu acho que existe algo essencialmente infantil na literatura. Isso pode parecer incompatível com a admiração que temos pela literatura. Mas acredito que há uma profunda e fundamental verdade na afirmação de que não se pode realmente compreender o que significa a literatura se você não se aproximar dela a partir de um ponto de vista infantil. O que não sifnifica uma perspectiva de qualidade inferior.
Entrevistador: Você escreveu um livro sobre erotismo. Você acha que erotismo na literatura é algo infantil?
Bataille: Não tenho certeza se literatura diferencia-se do erotismo nessa questão. Mas penso que é muito importante dar-se conta de personagens infantis do erotismo em geral. Sentir o erotismo é estar fascinado como uma criança que quer participar de uma brincadeira proibida. Um homem fascinado pelo erotismo é como uma criança perante os pais. Ele tem medo do que pode acontecer consigo. E ele nunca pára até ter uma razão para temer. Não é suficiente para ele apenas o que satisfaz os aduntos. Ele tem que ficar amedrontado. Necessita encontrar-se na mesma situãção de quando era criança e constantemente com medo de ser repreendido e até punido de um jeito insuportável.
Entrevistador: Talvez eu tenha dado a entender, e você também tenha dado essa impressão, que você estivesse condenando essa infantilidade. Contudo, é hora de voltarmos ao título do seu livro "A literatura e o mal". Você não está condenando nem a literatura nem o mal. Poderia falar um pouco mais sobre as idéias desse livro?
Bataille: Certamente é um alerta. A obra sinaliza um perigo, então, talvez, quando se tiver consciência deste perigo, você terá boas chances de confrontar esse perigo. E eu acho importante confrontarmos o perigo que é a literatura. É um grande e real perigo, entretanto, você não pode ser considerado um homem se não confrontar esse perigo. Na literatura, podemos encontrar inteiramente a perspectiva humana. Porque a literatura não nos permite viver sem ver a natureza humana separada dos aspectos existenciais mais violentos. Leia as tragédias, Shakespeare, existem muitos exemplos desse mesmo gênero. Finalmente, é a literatura que nos possibilita perceber o pior e aprender como confrontá-lo, como superá-lo. Um homem que joga, acha no jogo as maneiras de vencer o que existe de pior no jogo.