• Menu
  • Lycoris
  • Category
    • Animation
    • Nature
    • People
    • Technology
    • Vogue
    • Other
  • Tools
    • CSS
    • jQuery
    • Cookies
    • Wicked
  • Menu
    • CSS
    • jQuery
    • Cookies
    • Wicked
  • Sub Menu
    • CSS
    • jQuery
    • Cookies
    • Wicked

CZARABOX

[ WORDS on IMAGES. ]

JOSE GIL O MEDO / José Gil (Público, 15 de Março de 2020)

O MEDO / José Gil (Público, 15 de Março de 2020)

https://www.publico.pt/2020/03/15/sociedade/ensaio/medo-1907861 


O que vem aí, ninguém sabe. Adivinha-se, teme-se que seja devastador. Em número de mortes, em sofrimento, em destruição. Mas, como não temos uma ideia clara do que poderá ser uma tal catástrofe, a ignorância e a confusão amplificam o nosso medo. Será um desastre planetário e regional, colectivo e individual, já presente e ainda futuro, conhecido e familiar, mas sempre longínquo e estrangeiro, destinado aos outros mas cada vez mais perto. Não é o simples medo da morte, é a angústia da morte absurda, imprevista, brutal e sem razão, violenta e injusta. Rebenta com o sentido e quebra o nexo do mundo. As forças que provocam a pandemia pertencem a uma ordem de causas estranha à ordem humana. E, no entanto, põem-na radicalmente em questão. Constatamos agora que a sociedade, as instituições e as leis que criámos para nos protegerem, e nos assegurarem uma vida justa, falharam redondamente. Não construímos uma vida viável para a espécie humana. Os extraordinários disfuncionamentos dos serviços de saúde de tantos países, a falta de coordenação e solidariedade dos estados-membros da União Europeia quando se tratou de ajudar a Itália, a criminosa e leviana arrogância de Trump no caso dos testes, a incapacidade de todos os governos de executar uma política sanitária eficaz sem utilizar meios mais ou menos autoritários, todo esse desnorte que deixou proliferar o vírus mostra de sobremaneira que qualquer coisa de profundamente errado infectou, desde o início, a história dos homens. Emmanuel Macron acaba de descobrir que “a saúde não é uma mercadoria” que tenha um preço. O coronavírus, pondo em perigo qualquer um, independentemente da sua riqueza ou estatuto, torna todos iguais – não perante a morte, mas perante o direito à vida, à saúde e à justiça. Está a surgir, espontaneamente, uma solução “tradicional” de compromisso: a comunidade reencontrar-se-ia na acção de governação de um líder firme. Giuseppe Conte, primeiro-ministro italiano, até aqui sem grande popularidade, tem hoje o apoio da grande maioria do povo. Tomou medidas drásticas, mostrou certezas, acalmou a ansiedade e o pânico da população. Sem dúvida que idêntica adesão popular recebeu António Costa, pelas mesmas razões e com a mesma empatia. A energia do medo é absorvida pelo líder e transformada em adesão. Qualquer que seja a sua eficácia, esta não pode ser a única e exclusiva “solução”. Que podemos e devemos fazer, nós que nos fechamos em casa, e que não queremos que o auto-isolamento se torne apenas uma defesa egoísta da família, numa atitude que reforça, afinal, o corte com a comunidade? É preciso, primeiro, combater o medo da morte. Para tanto, dois requisitos essenciais, a recusa da passividade e o conhecimento do “inimigo”. Quanto mais activos, mais aptos, mais fortes para afastar o medo. Se bem que o medo acorde a lucidez, e neste sentido possa ser benéfico, sabemos que ele encolhe o espaço, suspende o tempo, paralisa o corpo, limitando o universo a uma bolha minúscula que nos aprisiona e nos confunde. Comunicar com os outros e com a comunidade é furar a bolha, alargar os limites do espaço e do tempo, tomar consciência de que o nosso mundo se estende muito para além dos quartos a que estamos confinados. Foi certamente o que sentiram e fizeram os napolitanos que se puseram a cantar à noite, de varanda para varanda, exorcizando o medo e criando um novo espaço público comum. Trata-se de combater este medo da morte. Que não é o medo, digamos, habitual, de morrer, mas uma espécie de terror miudinho, subterrâneo e permanente, que toma conta da vida. Não na apreensão do mal final, mas como se a morte, enquanto avesso da vida, enquanto letargia absoluta, rigidez definitiva, paralisia e abismo, viesse ocupar o terreno do nosso tempo quotidiano. É contra a tendência a sermos capturados por um tal sentimento de medo que é preciso lutar – precisamente, mantendo-nos activos e preocupados com os outros e a vida social de que fazemos parte. Este medo é, sobretudo, o medo dos outros. O contágio vem inopinadamente, violentamente e ao acaso. Qualquer um, estrangeiro ou familiar, pode infectar-nos. O acaso e o contacto passam a ser perigo e ocasião de morte possível, e todo o encontro, um mau encontro. Neste sentido, o outro é o mal radical. A relação com os outros e a comunidade sobre um abalo profundo. O laço social, que, mais do que na inveja e no amor-de-si, se enraíza no “amor” ao outro (como afecto gregário da espécie), encontra-se comprometido, ameaçando romper-se. O outro é o inimigo, que quer a minha morte: do medo do ataque mortal ao pânico paranóico vai apenas um passo. A epidemia do novo coronavírus faz também emergir, à tona da consciência social, o pior das nossas pulsões mais sedimentadas. Mas também o melhor: aquele afecto, presente desde sempre em certas profissões, como a dos médicos e enfermeiros, torna-se agora plenamente visível aos olhos do cidadão planetário. Um fenómeno inédito está a surgir: a pandemia transforma a percepção que se tinha da globalização. Sabíamos que ela existia, conhecíamos os seus efeitos (financeiros, climáticos, turísticos), mas só raros tinham dela uma experiência vivida. Graças ao coronavírus, e pelas piores razões, o homem comum tem agora, ao longo do seu tempo quotidiano, a experiência da globalização. Deixou de ser abstracta, tornou-se uma globalização existencial. Vivemos todos, simultaneamente, o mesmo tempo do mundo. Qual o futuro desta transformação? Pode-se adivinhar já certos efeitos. A consciência planetária do perigo de morte traz consigo uma certa percepção, imediata e concreta da humanidade, como comunidade viva e nua. Para além do que separa os homens, há o que os faz simplesmente humanos, a vida, a morte, o poderoso direito a existir, sem condições nem prerrogativas. O que implica um igualitarismo primário e primeiro, entre os indivíduos e entre os povos. As peripécias dos proteccionismos xenófobos e racistas de Bolsonaro e de Trump, em tempo de crise pandémica, parecem patéticas quando confrontadas com este espírito mundial que se está a formar. Por outro lado, a informação veiculada pela comunicação social, a dependência de cada cidadão de um país relativamente aos cidadãos de outros países, a exigência premente de coordenação das políticas de saúde (e não só) de diferentes nações, o trabalho em rede de cientistas por todo o mundo, está a levar à criação progressiva de poderes transnacionais. São tudo bons sinais que se desenham no horizonte. Acreditamos que tal evolução das consciências só poderá beneficiar a luta decisiva, que virá em breve, contra as alterações climáticas. Mas os bons sinais não chegam para nos sossegar. Tanto mais que o medo que nos invade não pára de se avolumar. No momento em que escrevo, chovem de todos os lados, da Europa, da América, do Médio Oriente e da Ásia, as notícias mais alarmantes. A pandemia cresce como um tsunami mundial, derruba e mata numa avalanche incontrolável. O medo não é uma atmosfera, é uma inundação. Como resistir, como desfazer, ou pelo menos atenuar o medo que nos tolhe? Com mais conhecimento, sim, e mais informação, e mais entreajuda e racionalidade. Resta-nos sobrepor ao medo que nos desapropria de nós, o medo desse medo, o de sermos menos do que nós. Resta-nos, se é possível, escolher, contra o que nos faz tremer de apreensão e nos instala na instabilidade e no pânico, a forças de vida que nos ligam (poderosamente, mesmo sem o sabermos,) aos outros e ao mundo.
DoxDoxDox
Add Comment
JOSE GIL
sábado, 23 de maio de 2020
  • Share
  • Share

Related Posts

Newer Older Home

Label

ABEL GANCE ADRIAN MARTIN AKASAKA DAISUKE ALAIN BERGALA ALAIN RESNAIS ALBERT SERRA ALEXANDER MEDVEDKINE ALEXIS TIOSECO ANA MARIZ ANDRÉ BAZIN ANDRÉA PICARD ANDY RECTOR ANITA LEANDRO ANNE MARIE STRETTER ANNE PHILIP ANTOINE THIRION ANTÓNIO CÃMARA ANTÓNIO CAMPOS ANTÓNIO GUERREIRO ARIANE GAUDEAUX ARTAVAZD PELECHIAN BARRETT HODSON BERTRAND TAVERNIER BILL KROHN BOB DYLAN BUÑUEL CAHIERS DU CINEMA CARLOS MELO FERREIRA CARLOSS JAMES CHAMBERLIN CECIL B. DEMILLE CHAPLIN CHRIS MARKER CHRISTA FULLER CHRISTIAN BRAAD THOMSEN CHRISTIAN JUNGEN CHRISTIAN KEATHLEY CLAIRE DENIS COTTAFAVI CRAIG KELLER CYRIL NEYRAT D. H. LAWRENCE DAMIEN HIRST DANIEL FAIRFAX DANIEL KASMAN DANIEL REIFFERSCHEID DANIELE HUILLET DANIELLE HUILLET DARIO ARGENTO DAVE KEHR DAVID BONNEVILLE DAVID BORDWELL DAVID FOSTER WALLACE DAVID LYNCH DAVID PHELPS DAVID STERRITT DAVID YON DELEUZE DIOGO VAZ PINTO DOMINIQUE PAINI DONALD FOREMAN DREYER EDGAR MORIN EGIL TORNQVIST EMILIANO AQUINO EMILIE BICKERTON EMMA GOLDMAN EMMANUEL SIETY ERIC ROHMER F. J. OSSANG FERGUS DALY FILMOLOGIA FILOSOFIA FOTOGRAFIA FRANCIS BACON FREDERIC JAMESON GALEYEV GEORGE LUCAS GEORGE ORWELL GEORGES BATAILLE GÉRARD LEBLANC GINA TELAROLI GIORGIO AGAMBEN GIUSEPPE BERTOLUCCI GLAUBER ROCHA GUIONISMO GUS VAN SANT GUY DEBORD HAL HARTLEY HANNAH ARENDT HARUN FAROCKI HAWKS HENRI BEHAR HENRI-DAVID THOREAU HERVÉ LE ROUX HIROSHI TESHIGAHARA HITCHCOCK HOLDERLIN HONG SANG-SOO HOWARD HAWKS IMAGENS CONTEMPORANEAS INGMAR BERGMAN IRMGARD EMMELHAINZ ISAAC JULIEN J.R.JONES JACQUES AUMONT JACQUES LOURCELLES JACQUES RIVETTE JACQUES ROZIER JAMES QUANDT JARON LANIER JEAN EPSTEIN JEAN NARBONI JEAN PIERRE GORIN JEAN RENOIR JEAN-BAPTISTE THORET JEAN-CLAUDE GUIGUET JEAN-CLAUDE ROSSEAU JEAN-CLAUDE ROUSSEAU JEAN-JACQUES BIRGÉ JEAN-LOUIS COMOLLI JEAN-LUC GODARD JEAN-MARC LALANNE JEAN-MARIE STRAUB JEAN-PIERRE GORIN JIM JARMUSCH JOAN DIDION JOANA RODRIGUES JOÃO BÉNARD DA COSTA JOÃO BOTELHO JOÃO CÉSAR MONTEIRO JOÃO MÁRIO GRILO JOÃO SOUSA CARDOSO JOHAN VAN DER KEUKEN JOHN CARPENTER JOHN CASSAVETES JOHN FORD JOHN WAYNE jonas mekas JONATHAN ROSENBAUM JORGE SILVA MELO JOSÉ ARROYO JOSÉ BARATA MOURA JOSÉ BRAGANÇA DE MIRANDA JOSE GIL JOSÉ OLIVEIRA JOSEPH CAMPBELL KARL MARX KATHERYN BIGELOW KIMBERLY LINDBERGS KING VIDOR KOJI WAKAMATSU LAURENT CHOLLET LÉONCE PERRET LEOS CARAX LIKLOS JANSCÓ LOUIS SKORECKI LUC MOULLET LUIS MENDONÇA LUIS MIGUEL OLIVEIRA LUIZ CARLOS OLIVEIRA JR LUIZ SOARES JÚNIOR MALICK MALTE HAGENER MANNY FARBER MANOEL DE OLIVEIRA MANUEL MOZOS MANUEL S. FONSECA MANUELA PENAFRIA MARGUERITE DURAS MARIA FILOMENA MOLDER MARIO BAVA MÁRIO FERNANDES MARQUÊS DE SADE MARTIN BUBER MARTIN HEIDEGGER MASAO ADACHI MELISSA GREGG MICHEL DELAHAYE MICHEL MOURLET MICHELANGELO ANTONIONI MIGUEL DOMINGUES MIGUEL MARIAS MINNELLI MURIEL DREYFUS NANCY COKER NEVILLE ROWLEY NEWSREEL NICHOLAS RAY NICK DRAKE NICOLE BRENEZ NIKA BOHINC NOAM CHOMSKY NOBUHIRO SUWA OLIVIER PIERRE ORSON WELLES PATRICE BLOUIN PATRICE ROLLET PAULO ROCHA PECKINPAH PEDRO COSTA PEDRO EIRAS PEDRO SUSSEKIND PETER BOGDANOVICH PETER BRUNETTE PETER NESTLER PHILIPPE GARREL PHILIPPE GRANDRIEUX PIER PAOLO PASOLINI PIERRE CLEMENTI PIERRE CRETON PIERRE LÉON PIERRE-MARIE GOULET RAINER MARIA RILKE RAINER W. FASSBINDER RAQUEL SCHEFER RAUL BRANDÃO RAYMOND BELLOUR REVISTA LUMIÉRE RICHARD BRODY RITA AZEVEDO GOMES RITA BENIS RIVETTE ROBERT ALDRICH ROBERT KRAMER ROBERTO ACIOLI DE OLIVEIRA ROBERTO CHIESI ROGER CORMAN ROMAIN LECLER ROSSELLINI RYSZARD DABEK SACHA GUITRY SALLY SHAFTO SAMUEL FULLER SATYAJIT RAY SCOTT MACDONALD SERGE DANEY SÉRGIO DIAS BRANCO SHERMAN ALEXIE SHIGEHIKO HASUMI SHYAMALAN SIEGFRIED KRACAUER SIMON HARTOG SLAVOJ ZIZEK SOFIA TONICHER STARWARS STÉPHANE BOUQUET STEVE PERSALL STEVEN SPIELBERG STRAUB=HUILLET SUSAN SONTAG SYLVAIN GEORGE SYLVIE PIERRE TAG GALLAGHER TED FENDT TERESA VILLAVERDE TERRENCE MALICK THE JEONJU DIGITAL PROJECT 2011 THOM ANDERSEN THOMAS HARLAN TIR TROTSKY TRUFFAUT UMBERTO ECO VASCO CÂMARA VERTOV VINCENT MINELLI WALTER BENJAMIN WARREN BUCKLAND WERNER SCHROETER WOODY ALLEN ZANZIBAR FILMS
Com tecnologia do Blogger.

Pesquisar neste blogue

Browse by Date

  • ►  2023 (4)
    • ►  dezembro (1)
    • ►  outubro (3)
  • ►  2021 (1)
    • ►  maio (1)
  • ▼  2020 (2)
    • ▼  maio (1)
      • O MEDO / José Gil (Público, 15 de Março de 2020)
    • ►  janeiro (1)
  • ►  2019 (2)
    • ►  abril (1)
    • ►  janeiro (1)
  • ►  2018 (7)
    • ►  novembro (2)
    • ►  fevereiro (2)
    • ►  janeiro (3)
  • ►  2017 (9)
    • ►  dezembro (3)
    • ►  novembro (2)
    • ►  agosto (1)
    • ►  julho (3)
  • ►  2016 (3)
    • ►  dezembro (1)
    • ►  outubro (1)
    • ►  agosto (1)
  • ►  2015 (12)
    • ►  outubro (1)
    • ►  julho (1)
    • ►  abril (3)
    • ►  março (4)
    • ►  janeiro (3)
  • ►  2014 (7)
    • ►  dezembro (1)
    • ►  novembro (1)
    • ►  setembro (1)
    • ►  julho (3)
    • ►  maio (1)
  • ►  2013 (21)
    • ►  dezembro (2)
    • ►  outubro (1)
    • ►  abril (1)
    • ►  março (5)
    • ►  fevereiro (12)
  • ►  2012 (53)
    • ►  dezembro (2)
    • ►  novembro (7)
    • ►  outubro (8)
    • ►  setembro (2)
    • ►  agosto (2)
    • ►  junho (5)
    • ►  maio (9)
    • ►  abril (6)
    • ►  março (11)
    • ►  fevereiro (1)
  • ►  2011 (57)
    • ►  dezembro (6)
    • ►  novembro (1)
    • ►  setembro (5)
    • ►  agosto (1)
    • ►  julho (1)
    • ►  junho (7)
    • ►  maio (4)
    • ►  abril (6)
    • ►  março (11)
    • ►  fevereiro (10)
    • ►  janeiro (5)
  • ►  2010 (71)
    • ►  dezembro (11)
    • ►  novembro (16)
    • ►  outubro (3)
    • ►  setembro (2)
    • ►  agosto (5)
    • ►  julho (9)
    • ►  junho (4)
    • ►  maio (9)
    • ►  abril (1)
    • ►  março (4)
    • ►  fevereiro (7)
  • ►  2009 (40)
    • ►  dezembro (6)
    • ►  novembro (10)
    • ►  outubro (1)
    • ►  setembro (2)
    • ►  agosto (1)
    • ►  julho (2)
    • ►  junho (7)
    • ►  abril (6)
    • ►  março (5)

Contribuidores

  • DoxDoxDox
  • DoxDoxDox

copyright © 2017 CZARABOX All Right Reserved . Created by Idntheme . Powered by Blogger