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LUIS MIGUEL OLIVEIRA Luis Miguel Oliveira entrevista Anna Karina (Indie Lisboa 2019)

Luis Miguel Oliveira entrevista Anna Karina (Indie Lisboa 2019)


Actriz indissociável da nouvelle vague, e especialmente dos filmes da fase inicial de Jean-Luc Godard (com quem foi casada durante esse período), é homenageada na secção Herói Independente da edição deste ano do Festival IndieLisboa (de 2 a 12 de Maio), com uma retrospectiva programada pelo festival e pela Cinemateca Portuguesa, em cujas salas decorrerão todas as sessões do ciclo.
Nasceu em 1940, na Dinamarca, foi para Paris no final dos anos 50, e acabou por estar no epicentro da nouvelle vague. Os filmes que fez com Godard são marcantes, mas há muito mais na sua filmografia: as colaborações com Rivette, com Luchino Visconti, com George Cukor, e até os filmes que fez em nome próprio. Estar perante ela é estar, em primeiro lugar, perante uma gigantesca memória de quase 60 anos de cinema em que cabem muitos filmes, muitos cineastas, muitas histórias.
Numa conversa numa esplanada parisiense, não muito longe do Café de Flore que era um dos preferidos dos criticos e realizadores da “nouvelle vague”, puxámos por essas memórias e por essas histórias, da arte e da vida, num percurso que começa na Dinamarca, na década de 50, quando Hanne Karin Bayer era uma rapariguinha que se encantava com o Bambi e ansiava ser actriz de cinema. O que a vida depois lhe deu foi “um presente maravilhoso”, a tal ponto que diz “nem sequer ter o direito de sentir mágoas ou arrependimentos”.
Foto
Nasceu em 1940, na Dinamarca, foi para Paris no final dos anos 50, e acabou por estar no epicentro da nouvelle vague. Godard, é claro, com quem foi casada. “Mas olhe que trabalhei com muitos realizadores!”. Sim, Rivette, Visconti, Cukor, Fassbinder... GETTY IMAGES
Nos últimos tempos tem sido objecto de homenagens e retrospectivas como esta que vai acontecer em Lisboa. O que é que sente perante estas coisas? O que é que isto lhe diz?
No fundo, passei toda a vida numa situação semelhante, a apresentar-me perante um público. Umas vezes corria bem, outras corria pior... Mas enfim, claro que fico contente e orgulhosa, é o trabalho da minha vida. Desde pequenina que sonhava ser actriz de cinema...

Propunha-lhe que fôssemos passando pela sua vida de actriz, pelos filmes que fez, seguindo o programa do ciclo. Gostava de começar por aí, pela sua juventude na Dinamarca, que ao contrário do que muitas vezes se julga foi também o tempo dos seus inícios no cinema...
Foi, em 1954, quando tinha catorze anos. Um filme de curta-metragem chamado A Rapariga dos Sapatos (Pigen og Skoene, de Ib Schmedes, dia 2 às 15h30 e dia 9 às 18h30), que só foi visto uns anos mais tarde, e seleccionado para o Festival de Cannes de 1959, onde ganhou o prémio para melhor “curta-metragem poética”.

Nessa altura o seu nome artístico ainda não era Anna Karina...
Claro que não! Tinha 14 anos, era menor, aliás pela legislação da época fui menor até aos vinte e um anos...

A vida deu-me muito mais do que poderia esperar quando era miúda. Foram tudo presentes maravilhosos. A minha vida é um presente maravilhoso
Anna Karina
Foi Coco Chanel que lhe deu esse nome, não é verdade? Quando já estava em Paris.
Sim. Vim para Paris em 1957, e comecei a trabalhar como modelo para ganhar algum dinheiro, fui capa da Elle... Um dia, Coco Chanel veio ter comigo e perguntou-me “então, parece que queres ser actriz?”. Respondi que sim e ela perguntou-me como me chamava. Respondi: Hanne Karin Bayer. E ela: “Ah, não, impossível, se queres ser actriz vais passar a chamar-te Anna Karina”.

Isso foi já em 1958, 1959?...
Em 1958, creio. Coincidiu com um período em que fui bastante popular como modelo, a capa da Elle, e também uma série de fotografias numa revista que já não existe, a Jours de France.

Portanto, chegou a Paris mesmo a tempo para a explosão da nouvellevague...
Sim, mas eu disso não fazia ideia nenhuma!

JEAN-REGIS ROUSTON/ROGER VIOLLET/GETTY IMAGES
Como é que acabou por ir parar a esse meio?
Bem, para começar, ia muito ao cinema. Ver filmes franceses, sobretudo, também para aprender a língua, aprender as nuances do francês falado. Depois fiz uns filmes publicitários, uns anúncios a uns sabonetes e coisas assim, e finalmente conheci Jean-Luc Godard, que me convocou para um encontro.

Ele queria dar-lhe um pequeno papel logo em À Bout de Souffle (1959), não é assim?
Que recusei, porque ele queria que eu me despisse!... Disse-lhe que não, que aliás ainda era menor, e vim-me embora. Ele veio atrás a choramingar, “mas por que não, se eu já a vi toda nua?”, e eu a responder-lhe “então viu mal, porque eu não estou nua naquele anúncio, e a única coisa que se vê é um banho de espuma”...

Mas ele insistiu mais tarde.
Insistiu. Bem, entretanto passou algum tempo, conheci pessoas, fiz amizades, arranjei um apartamentozinho no 16ª bairro. E um belo dia recebo um telegrama que dizia: “Encontro com Jean-Luc Godard no escritório do produtor Georges de Beauregard”. Eu não tinha retido o nome e perguntei aos amigos quem era ele. Responderam que era um tipo que tinha feito um filme formidável, À Bout de Souffle, e lembrei-me: “É o tipo que me queria filmar nua!”. E eles: “Ah se ele agora te quiser filmar despida tens que aceitar, porque é um génio”. Lá fui [era o casting de O Soldado das Sombras: dia 3 às 15h30], ele olhou para mim com ar aprovador, e perguntei: “Mas tenho que me despir?”. E ele: “Não, este é um filme político”. Na minha ingenuidade, isso ainda era mais assustador, e disse-lhe que não sabia nada de política. E ele: “não se preocupe, só tem que fazer o que eu lhe pedir para fazer, e tudo correrá bem”.

Foto
Casada com Godard (aqui na rodagem de Pedro o Louco), no plateau “não tinha mimos especiais”, era tratada como os outros actores, recebiam os diálogos todos ao mesmo tempo, em cima da hora REPORTERS ASSOCIES/GAMMA-RAPHO VIA GETTY IMAGES
Depois ainda houve a complicação do contrato, que eu não podia assinar por ainda ser menor. Liguei à minha mãe a dizer que ia entrar num filme político de Jean-Luc Godard, que isto era muito importante, o que, claro, para ela parecia só uma coisa absurda. Mas lá a convenci a vir da Dinamarca assinar o contrato. Foi a primeira vez que a minha mãe andou de avião. Aliás, quando me casei com Jean-Luc Godard também foi precisa a autorização dela, porque ainda não tinha feito vinte e um.
Apaixonaram-se durante a rodagem de O Soldado das Sombras?
Absolutamente. Foi uma rodagem longa, nos arredores de Genève e de Lausanne, porque foi preciso interromper as filmagens várias vezes. E passava-se ali alguma coisa de magnético, que eu não sabia explicar, com os nossos olhares um sobre o outro. Um dia recebi um bilhetinho: “Amo-a. Encontro à meia-noite no Hotel de la Paix”. Fui, e ele estava a ler o jornal com o ar mais casual do mundo. Quando me viu, disse: “Então, aqui estamos, muito bem, vamos”.

Casaram-se logo a seguir?
Logo, não. Terminada a rodagem voltámos para Paris, e fiquei a viver num hotel enquanto Jean-Luc trabalhava na montagem do filme, dias inteiros durante semanas a fio. Depois, quando o filme ficou pronto, ainda veio a complicação da censura e da proibição.

Foto
No casting de Soldado das Sombras, Godard olhou para ela com ar aprovador, e ela perguntei: “Mas tenho que me despir?”. E ele: “Não, este é um filme político”. E depois apaixonaram-se COL. CINEMATECA PORTUGUESA/MUSEU DO CINEMA
Por causa da guerra da Argélia.
Exactamente. Jean-Luc recebia quase todos os dias ameaças de morte e coisas assim desagradáveis, tínhamos que estar sempre a mudar de morada por razões de segurança. O filme não pôde estrear mas houve projecções privadas, e numa delas estava Michel Deville que me convidou para Ce Soir ou Jamais. E esse acabou por ser o meu primeiro filme estreado, em 1961 [O Soldado das Sombras só pôde estrear-se em 1963]. Trabalhei como uma louca nesse filme. Levava os diálogos para decorar em casa, e Jean-Luc dizia: “Francamente, esses diálogos são impossíveis, como é que consegues?...” Mas depois gostou de me ver. Foi depois de ver o filme que me perguntou: “Queres entrar numa comédia musical com Jean-Paul Belmondo e Jean-Claude Brialy?”. Era Une Femme est une Femme (dia 3, 21h30), e claro que eu queria entrar.

Ter uma relação pessoal com Godard tornava as coisas mais fáceis ou mais difíceis para si, durante a rodagem?
Era igual para toda a gente. Ele não mostrava o argumento, que aliás nem era bem um argumento, a ninguém. Não tinha mimos especiais. Claro, sobretudo para outros filmes posteriores como Viver a Sua Vida [dia 2, 15h30 e dia 9, 18h30] ou Bando à Parte [dia 6, 15h30 e dia 7, 18h30] tínhamos conversas mais aprofundadas sobre as minhas personagens e sobre o tipo de presença que ele esperava de mim. Mas no plateau era tratada como os outros actores, e recebíamos os diálogos todos ao mesmo tempo, que normalmente era em cima da hora.

Com Godard fez sete longas e uma curta, e o que é curioso é que são todos papéis muito diferentes uns dos outros...
... eu adorava isso! Era sempre diferente de filme para filme.

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É “história antiga” de Godard. Não se contactam hoje. “Mas irritam-me muito certas coisas que se escrevem sobre Jean-Luc. Que é egoísta, avarento, etc. É mentira! É uma pessoa generosíssima, que ao longo da vida ajudou muita gente, inclusivamente cineastas” KEYSTONE-FRANCE/GAMMA-RAPHO VIA GETTY IMAGES
Sente-se retratada, nesse conjunto de filmes? Ou, perguntando de outra maneira, há alguma personagem que sinta estar próxima de si?
Não sei... é-me muito difícil dizer. Se é um retrato, é um retrato muito diverso... Mas sabe, vejo cada um desses papéis como um presente. Foram presentes que ele me ofereceu. Adorei fazer aqueles papéis todos, Alphaville (dia 7, 15h30), Pedro o Louco (dia 6, 19h00). Um pouco menos Made In USA (dia 10, 15h30), nunca percebi muito bem aquele filme.

Foi o último que fizeram juntos, em 1966.
Exacto. Bem, depois ainda houve aquele sketch do filme de ficção científica, não me lembro agora do nome.

Anticipation or l'Amour en l'An 2000 (dia 10, 15h30).
Isso. E antes disso tínhamos entrado juntos em Cléo de 5 a 7, de Agnès Varda[um “filme dentro do filme”, chamado Les Fiancès du Pont MacDonald, a ver dia 3, 21h30]. Mas olhe que trabalhei com muitos realizadores!

Eu sei muito bem, e ia já passar a eles, começando por um filme fundamental desse período dos anos 60: A Religiosa, de Jacques Rivette (dia 8, 21h30, e dia 17, 19h00). Revi-o ontem, é magnífico, e a Anna é magnífica nele.
É magnífico, maravilhoso.

E Rivette pediu-lhe, ou deu-lhe, algo de muito diferente dos filmes que já tinha feito. Há na personagem uma intensidade muito...
... muito física...

Foto
Em A Religiosa, de Rivette, papel de uma intensidade física muito diferente de tudo o que outros cineastas, Godard incluído, lhe propuseram KEYSTONE-FRANCE/GAMMA-RAPHO VIA GETTY IMAGES
... que tem pouco a ver com o que outros realizadores, sobretudo Godard, lhe tinham pedido até então.
Foi um papel que me perseguiu, porque comecei por fazê-lo no teatro, num teatrinho dos Campos Elíseos. Correu tudo muito bem, até ganhei um prémio da rádio, fui visitada por muitos actores, Brigitte Bardot, Alain Cuny, Delphine Seyrig, e não houve qualquer espécie de escândalo.

Depois do Soldado das Sombras, foi o seu segundo filme a ter problemas com a censura...
Foi depois da projecção no Festival de Cannes. Ordem de proibição imediata, André Malraux [na altura, Ministro da Cultura do governo de de Gaulle] a dizer que é um escândalo... Um texto escrito há duzentos anos, era verdadeiramente incompreensível. Depois quando o filme pôde estrear foi um sucesso, veio gente de todo o lado para o ver. Acho que é o melhor filme de Jacques Rivette, e em Cannes, no ano passado, foi estreada a versão restaurada, numa cópia magnífica. Ainda há duas semanas fui a Perpignan apresentar o filme e revê-lo.

Foi o contacto com todos estes grandes realizadores que a levou a experimentar pôr-se atrás da câmara em Vivre Ensemble, de 1973 (dia 7, 19h00)?
Foi um filme muito simples, muito artesanal, rodado em grande parte na cozinha da minha própria casa. Mas naturalmente quando se trabalha com Rivette, com George Cukor, com Fassbinder, com Visconti, com Jean-Luc Godard...

Quando estávamos casados acontecia [Godard] dizer-me que ia comprar cigarros e aparecia três semanas depois, como se nada fosse. E eu percebia, pelas coisas que trazia, que tinha estado na Suécia com o Bergman. Ou na Itália com o Rossellini. Ia ter com os amigos como se fossem amantes
Anna Karina
Ou Valerio Zurlini.... Gostou de trabalhar com ele em Le Soldatesse, de 1964 (dia 4, 21h30, e dia 14, 19h00)?
Muito. Aconteceu-me uma peripécia na rodagem. Estávamos a filmar a uns quilómetros da cidade mais próxima, e era uma camioneta que nos levava de volta ao fim do dia. Um dia tive vontade de, enfim, digamos francamente, fazer xixi, antes de entrar para a camioneta, e como ali não havia tive que entrar no bosque. Pois bem: a camioneta arrancou sem perceberem que eu não estava lá. Só deram pela minha falta horas depois, estava eu enregelada na montanha com a minha roupinha de cena, cheia de medo dos lobos a uivar por todo o lado... Agora conto isto a rir, mas na altura...

E Fassbinder? É uma presença estranha num dos filmes mais estranhos dele, Chinesisches Roulette de 1976 (dia 11, 21h30).
Muito estranho, muito bizarro... Enfim, não tenho nada contra Fassbinder, que ainda por cima já morreu, mas não gostei nada. Percebia mal o alemão, o que me fazia sentir ainda mais desconfortável, e depois Fassbinder era um tipo muito excessivo, sempre cheio de álcool e drogas. Lembro-me que durante a rodagem o meu quarto ficava próximo do quarto onde ele dormia com um namorado, e passava a noite a ouvir um som que me parecia de chicotadas. E depois percebi que era mesmo isso, ele e o namorado passavam as noites a chicotear-se! Havia ali um lado perverso com que não me conseguia relacionar.

Então não gostou de nada, nem da rodagem nem do filme...
A rodagem ainda vá, mas do filme não gosto muito. Está longe de ser o melhor dele, não acha?

Sim, também acho. E Visconti, com quem filmou O Estrangeiro em 1967 (dia 10, 21h30, e dia 15, 19h00)?
Ah, Visconti era um rei. Um rei. A rodagem foi em Argel, mas estava sempre a chover e fazia um frio dos diabos. Ficávamos dias seguidos fechados no hotel por causa da chuva. Tinha uma cena em que precisava de tomar um banho no mar, e estava enregelada. Ainda para mais, os assistentes tinham-se esquecido de levar uma toalha para eu me aquecer mal a câmara parasse. Teve que ser o próprio Visconti a vir lá do fundo e oferecer-me a sua capa para me aquecer, enquanto zurzia a equipa pelo esquecimento. “Mas é possível que ninguém se lembre de trazer um agasalho para esta pobre rapariga?”. Parece que ainda o estou a ouvir. Era um rei.

Foto
Com Marcello Mastroianni em O Estrangeiro, de Luchino Visconti: “Ah, Visconti era um rei. Um rei”
Outro realizador muito singular com que trabalhou foi Raul Ruiz, num filme rodado em Portugal, A Ilha do Tesouro de 1985 (dia 8, 15h30 e dia 10, 18h30).
Sim, era alguém de muito especial. Colava-me vermes à pele e nunca me explicou porquê. E era um mestre dos cocktails, preparava-nos uns cocktails diabolicamente bons. Enfim, outro que também já morreu.

Qual era, ou é, o seu critério para a escolha dos papéis que aceita?
Os realizadores, sobretudo. Quer dizer, o argumento e os papéis também, mas se um realizador como Visconti me chama para trabalhar com ele, nem me importa qual é o argumento e qual é o papel. Também vão mostrar Justine (George Cukor, 1969) neste ciclo?

Sim (dia 7, 21h30, e dia 13, 19h00).
Aí trabalhei com um dos meus realizadores favoritos, mas foi por acaso. Daryl Zanuck tinha contratado Joseph Strick. Foi com Strick que rodámos os exteriores na Tunísia, que estava a passar por um cenário egípcio, mas aquilo corria muito mal. Strick adormecia no plateau, eram os assistentes que davam as ordens, e todos nós, actores, pressentíamos o pior. Acabada a rodagem de exteriores, fomos para Hollywood, onde se rodariam as cenas de interiores. Chegamos lá, vemos os rushes do que fora filmado, e era tudo muito mau. Lembro-me de estar ao lado de Michael York e olharmos um para o outro com um ar de “bela porcaria em que nos metemos”. Mal acabou a projecção, Strick veio comunicar-nos que tinha sido despedido, e Zanuck ordenou-nos que fôssemos para casa esperar por um telefonema até ao meio dia do dia seguinte. Mas estivemos nisto três semanas até que veio o telefonema: “filmagens retomam amanhã sob a direcção de George Cukor”. Fiquei excitadíssima e aterrada ao mesmo tempo: um dos meus realizadores preferidos, mas o homem que tinha filmado Greta Garbo e tantas divas dos anos 30 e 40... Pensei: “não me vai achar graça nenhuma, vou ser despedida”. Mas engraçou comigo, apoiou-me porque às tantas quem me queria despedir era a mulher do Zanuck, dava-me boleia no seu Rolls Royce que ele próprio conduzia, e ficámos amigos para a vida. Até morrer, sempre que vinha a Paris procurava-me e estávamos juntos.

Estava a ouvi-la a falar de Cukor e dos outros realizadores e a pensar: partilhava aquela cinefilia fervorosa da geração da nouvelle vague?
Ah, mas completamente! E desde pequena, ainda na Dinamarca passava a vida nos cinemas. O primeiro filme que vi foi Bambi. E depois aqui, em Paris, havia aquela coisa maravilhosa de se poder pagar só um bilhete e ficar no cinema do meio-dia à meia-noite. Às vezes filmes diferentes, outras vezes sempre o mesmo. E podia-se fumar, imagine! [enquanto acende o enésimo cigarro]

Foto
Justine, de George Cukor, um dos seus realizadores preferidos, o homem que tinha filmado Greta Garbo e tantas divas dos anos 30 e 40... “Pensei: ‘não me vai achar graça nenhuma, vou ser despedida’. Mas ficámos amigos para a vida” COL. CINEMATECA PORTUGUESA/MUSEU DO CINEMA
Depois de tantos anos a trabalhar com tanta gente, fez amigos? Quem são?
Fiz, mas estão quase todos mortos... E sabe, eu também já não sou muito nova...

Agnés Varda, por exemplo, que morreu há poucas semanas. Eram amigas?
Sim e não. Era uma pessoa estranha, a Agnès. Lembro-me que cheguei a chorar, no principio do meu relacionamento com Godard, porque ela me azucrinava a cabeça a dizer para eu o largar, que era boa demais para ele, etc. Depois houve uma história de dinheiros, a propósito da reportagem fotográfica do nosso casamento, que eu penso que Jean-Luc nunca lhe perdoou.

E com ele, Godard, ainda contacta regularmente?
Não, não. Sou “história antiga”, como se diz. Deixei de falar ou tentar falar com ele porque ele estava bem com a [Anne-Marie] Miéville e não quis que parecesse que andava por ali a pairar. Mas irritam-me muito certas coisas que se escrevem sobre Jean-Luc. Que é egoísta, avarento, etc. É mentira! É uma pessoa generosíssima, que ao longo da vida ajudou muita gente, inclusivamente cineastas.

Eustache, por exemplo.
Eustache e outros. Ainda fico muito irritada com as coisas que se dizem dele. Claro, é uma pessoa com feitio difícil, sobretudo para se viver com. Quando estávamos casados acontecia dizer-me que ia comprar cigarros e apareceu três semanas depois, como se nada fosse. E eu percebia, pelas coisas que trazia, que tinha estado na Suécia com o Bergman. Ou na Itália com o Rossellini. Ia ter com os amigos como se fossem amantes, escondendo-me tudo!

Foto
As memórias, as histórias, os olhos: Anna Karina, 78 anos
Parece ter uma relação muito feliz com a sua vida e a sua carreira. Não tem arrependimentos ou mágoas importantes?
Não, não. E acho que não tenho sequer o direito de ter arrependimentos. A vida deu-me muito mais do que eu poderia esperar quando era miúda. Foram tudo presentes maravilhosos. A minha vida é um presente maravilhoso.


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LUIS MIGUEL OLIVEIRA
segunda-feira, 29 de abril de 2019
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