26.12.2014
''É melhor que o poema nem seja bem escrito, antes queira a compreensão tremida,
que desloque o ar e anavalhe o leitor pelas costas."
Diogo Vaz pinto, 29 anos, prefere falar de poemas que dos autores. É contra a ideia do poeta que se torna o tema como se, ao ser entrevistado e objeto de uma notícia num jornal aceitando falar de si, estivesse a alinhar por um discurso do eu no qual não se revê. Cita Rimbaud, "Je est un autre", para explicar que "onde somos menos poéticos é quando começamos a falar de nós como seres biografáveis."
É licenciado em direito embora não exerça por considerar que um advogado é "uma espécie de cão de caça". Trabalha como jornalista do I, mas vê-se sobretudo como poeta e editor.
Publicou dois livros, Nervo e Bastardo, em 2011 e 2012, e está ligado à edição e divulgação de poesia desde os tempos da faculdade. Primeiro com o lançamento da revista Criatura da qual saíram seis números, depois com a criação, em 2010, das edições Língua Morta, ao lado de David Teles Pereira. Em quatro anos publicaram mais de cinquenta livros.
Não querendo detalhar por que janelas a poesia entrou na sua vida, explica a necessidade de a procurar diariamente porque a vida que tem não lhe é suficiente. Como se, chegado o final do dia, não tivesse "vivido tudo" e precisasse "dessa outra vida que os poemas dão."
Diz que a poesia é o contrário de falar bem, é falar certo, e que o que as pessoas precisam é de falar mal. Gosta da voz de poetas como Manuel de Castro, António José Forte, Mário Cesariny ou Fernando Assis Pacheco, apenas para falar de portugueses.
Apesar da resistência, se lhe pedimos para tentar biografar-se, usa da ironia: "Há um consenso, segundo o próprio destaca, de que está entre as figuras mais pacatas da sua geração. É alguém que, simplesmente, não faz ondas, como aliás recomendam os entendidos. Porque a poesia hoje é antes de tudo um compromisso social, no sentido do piquenique constante, fazer amigos e andar em festas, homenagens, celebrações, por mais que pindéricas. Há sempre brochuras, fotos de grupo em que convém aparecer. Até porque os poetas o que destes dias mais fazem é mesmo anos, já que, como lembrou Ruy Belo, 'não se pode estar sem fazer nada'".
A poesia serve para quê?
Para conspirar nas costas dos cretinos que têm a dianteira "desta porra triste".
Deve saber vários versos de cor. Qual o primeiro que lhe vem à cabeça?
Um verso não, mas dois:
Eu todos os meus anjos vão juntos para a guerra
Se falta algum é como faltar o chão
(Cesariny)
Se não fosse poeta português (ou de outro país) seria de que nacionalidade?
Qualquer coisa muito índia, uma tribo descoberta o mais tarde possível. Falava um desses idiomas à base de estalinhos de língua, raios e coriscos. Para dizer coisas banais apontava ou grunhia, como já faço tanto, de resto era só poesia.
Um bom poema é...
Um elefante, dos que incomodam muita gente.
O que o comove?
A proporção mágica: uma parte de inteligência para duas de coragem.
Que poema enviaria ao primeiro-ministro português?
LISBOA – 1971
O chofer de táxi queixava-se da vida.
Ganha 400$00 por semana, o patrão conta
que ele se arranje do a mais com as gorjetas.
Os meus amigos morrem de cancro,
de tédio, de páginas literárias,
vi um rapaz sem as duas mãos que perdeu
na guerra (e o ortopedista ria-se de que ele
só queria por enquanto "calçar" uma das
que, artificiais, lhe preparou tão róseas).
As pessoas esperam com raiva surda e muita paciência
o autocarro, aumento de ordenado, a chegada
do Paracleto, bolsas da sopa do convento.
Mas o chofer do táxi contou-me que
discutira com um asno e lhe dissera:
"…V. que nesse tempo ainda andava a fugir
de colhão para colhão do seu pai
para ver se escapava a ser filho da puta…"
E é isto: andam de colhão para colhão
a ver se escapam — e muitos não escapam.
E os outros não escapam aos que não escaparam.
Lisboa, 5 Agosto 1971
- Jorge de Sena
in Exorcismos, Moraes
Por sua vontade, o que ficaria escrito no seu epitáfio?
Sai da frente que me estás a tapar a vista.
DoxDoxDox
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010