«Talvez toda a reflexão sobre a viagem passe por quatro observações, de que encontramos a primeira em Fitzgerald, a segunda em Toynbee, a terceira em Beckett, e a última em Proust. A primeira constata que a viagem, mesmo para as Ilhas ou para as grandes paisagens, nunca constitui uma verdadeira “ruptura”, enquanto levarmos a nossa bíblia connosco, as nossas recordações de infância e o nosso discurso habitual. A segunda é que a viagem persegue um ideal nómada, mas como intuito derisório, porque o nómada, pelo contrário, é aquele que não se mexe, que não quer partir e se agarra à sua terra deserdada, região central (... ir para o Sul é necessariamente cruzar-se com aqueles que querem ficar onde estão). É que, de acordo com a terceira observação, a mais profunda ou a de Beckett, “não viajamos pelo prazer de viajar, que eu saiba, somos parvos, mas não a esse ponto”... Então, que razão, em última instância, senão a de verificar, de ir verificar alguma coisa, alguma coisa de inexprimível que vem da alma, de um sonho ou de um pesadelo, nem que seja o de saber se os Chineses são tão amarelos quanto se diz, ou se tal cor improvável, um raio verde, tal atmosfera azulada e purpurada, existe mesmo em algum lugar, lá longe. »
Gilles Deleuze, «Optimisme, pessimisme et voyage. Lettre à Serge Daney», in Serge Daney, Ciné journal. Volume I / 1981-1982, Cahiers du cinéma, Paris, 1998, pp. 22-23.
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quarta-feira, 8 de julho de 2009